quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Mestre

 
       O verão aos poucos dava lugar ao outono. A noite quente e silenciosa prenunciava uma alteração brusca no tempo, mas o que ninguém esperava era que aquela tempestade que se aproximava fosse tão forte ao ponto de a pequena embarcação não conseguir se sustentar, mesmo com duas âncoras na água, sendo arrastada como se nada fosse diante daquele arrombo da natureza.

       Foi preciso partir os motores e se manter de encontro ao forte vento para que a sensação de um pouco de segurança ajudasse os seis tripulantes a passarem aquelas angustiantes horas.
Pouco se falava. Os que sabiam rezar, elevavam os seus pensamentos aos céus pedindo que aquela agonia não se estendesse por tanto tempo. Os mais experientes confortavam os demais dizendo que tudo aquilo fazia parte da vida do pescador.

       O barulho das ondas de encontro aos vidros do casario se misturava com a estática do rádio onde, entre ruídos desconexos e lampejos de alguma clareza era possível ouvir que alguém pedia socorro.
Num único movimento todos se juntaram ao mestre que tentava sintonizar o rádio da melhor maneira possível para em seguida ouvir a mensagem que vinha de uma corveta da Marinha do Brasil, que repetidamente dizia:

       “Atenção todas as embarcações que se encontram nas imediações pois recebemos pedido de socorro de um IATE, com seis pessoas da mesma família a bordo, a deriva, sem máquinas a tantos graus de latitude com tantos graus de longitude etc., etc.. sendo que se alguém se encontra próximo em condições de ajudar, por favor reporte-nos.”

       Nesse momento, o comandante Sergio, ali mesmo em cima da cama estendeu a carta náutica e sem nenhuma dificuldade identifica o exato local onde supostamente encontrava-se o iate e para surpresa dos demais tripulantes , com o dedo apontando um determinado ponto da carta ele diz:         “... eles estão aqui e nós estamos aqui, recolham as âncoras, nós vamos buscar essa família.

       Um pouco atônitos mas sem duvidar de seu mestre os tripulantes apenas esperaram para ouvir o que dizia o seu Dico, cozinheiro e pessoa mais velha da tripulação. “Sergio, sem querer tirar a tua autoridade, mas como sou eu quem despacha este barco como mestre, mesmo sendo você o comandante, não seria mais prudente nós esperarmos a tempestade passar assim como os demais barcos estão fazendo?” E ele retrucou. “Seu Dico, uma embarcação sem máquinas, a deriva nesta tempestade pode não ter muito tempo e nós vamos buscá-los agora” disse, ao tempo em que se dirigia ao rádio e avisava a corveta da Marinha: “Atento, atento (...) aqui o pesqueiro (...) indo ao encontro da embarcação (...).

            Em poucas horas, para alegria de todos se aproximaram do iate que se encontrava atravessado na maré com seis pessoas desesperadas a bordo. Rapidamente um cabo foi lançado, amarrado e o reboque teve início sob gritos de delírios e alegria das duas tripulações. Enfrentaram, ainda, muitas ondas e ventos próprios da grande tempestade que era mas finalmente puderam encontrar com a corveta que calmamente se aproximou e enquanto os marinheiros recebiam o cabo de reboque, o capitão trocou algumas palavras com o mestre, de passadiço à passadiço agradecendo e informando que o mesmo deveria comparecer no dia seguinte à Capitania dos Portos para registrar o laudo do ocorrido.

       Assim foi feito e após atracarem no cais da Capitania, Sergio pediu para seu Dico, na qualidade de Mestre oficial da embarcação se apresentasse perante ao Capitão dos Portos. Ao cabo de algumas horas, seu Dico retorna dizendo que sentia muito mas o comandante da corveta não o reconhecera como o mestre que fizera a manobra de entrega do iate resgatado no dia anterior.

       Sem contar tempo Sergio se apresentou ao Capitão e então esclareceu que não tinha ido antes porque, na verdade, apesar dele comandar o barco o mestre era outro porque ele não tinha carta de habilitação para exercer a função, pois apesar de estar na pesca desde os seus dezesseis anos contava, agora, com pouco mais de vinte e ainda não havia feito os cursos e portanto não tinha carta de  mestre.

O Capitão dos Portos, então, lhe disse: “Você falou certo: você não TINHA carta pois a partir de agora você conquistou, por bravura e competência a CARTA DE PATRÃO DE PESCA DE ALTO MAR, categoria equivalente a MESTRE DE CABOTAGEM DA MARINHA MERCANTE DO BRASIL, não havendo necessidade de provar mais nada quanto a sua habilidade.

       Foi assim que o filho do seu Tilo ou o Serginho da dona Bia tornou-se um dos melhores Mestre de Barcos da costa brasileira chegando a atuar com grande eficiência nos mares da República Uruguaia, aportando em La Paloma por vários anos consecutivos com grande sucesso.

Esta é uma das fantásticas histórias de meu irmão, o Caco, que no dia 25/03/2011 depois de despedir-se de alguns amigos quando contava da sua maravilhosa fase da vida, foi dormir, feliz e em paz nos seus 44 anos e não mais acordou para esta vida.




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